sábado, 25 de julho de 2009

"Pedi que ficasse, como não ficou o outro. Mas não o suportaria, acrescentei a seguir. Sorriu. Como se nada do que eu pudesse dizer fosse capaz de modificar sua partida. Ainda chove, tentei dizer. Não importa, será melhor assim, repetia sua mão estendida. Passou-a devagar na minha face. Eu era uma coisa pequena, rastejante e sem Deus, caminhando no escuro lamacento à procura apenas de qualquer gesto como o toque de uma mão humana, devagar na minha face. Ele tocou. Calçou os sapatos, apanhou o chapéu. Eu quis dizer que poderia ocupar o segundo quarto — a segunda cama, a segunda vida — talvez para sempre. Eu estava tão vivo que qualquer outra coisa também viva e próxima merecia minha mão estendida, oferecendo. Estendi a mão. Ele não podia acei tá-la. Eu não devia estendê-la.
— O navio demora pouco no porto — disse antes de partir. — Um marinheiro desce, olha a terra, às vezes deposita algo, e logo torna a partir."



Penso - agora que já não dói mais como uma vez doeu e que consigo ver as coisas nitidamente (sem remorso, choro nem vela) - que talvez ele sempre soube que não poderia ficar, até mesmo quando se enganava do contrário. Percebo, aos poucos, como se estivesse montando um quebra-cabeça que, juntando as peças, vai tomando forma, que todos os dizeres mais doces envolvendo um futuro conjunto eram apenas brincadeira ou talvez qualquer coisa dessas que nos traz alguma segurança para os momentos em que a ferida arde demais e, feito crianças, precisamos de alguém para segurar a nossa mão e dizer que tudo vai ficar bem. Porque tudo sempre fica bem no final. Pelo menos é o que dizem, é o que nos fazem acreditar. E a gente, sempre segurando a mão de alguém, acredita, já que não nos é permitido ficar por muito tempo no fundo do poço. Por um momento, ele viu em mim um porto-seguro quando voltava pra casa e tinha que se deitar só na cama, como há anos não fazia. Sozinho no seu próprio quarto, perdido na vida que ele mesmo escolheu. Via em mim alguém para ligar e dar boa noite quando chegasse em casa, que estivesse lá para o confortar, mas que não fosse tão próximo para que pudesse apontar o dedo, cravar as unhas e os dentes, arrancar pedaços, não só do corpo, mas do coração e até da alma. Exato véu de maya(h). Talvez eu não tenha sido cor nenhuma, talvez eu tenha sido só uma ilusão do que sabia que nunca iria ter, porque não se permitiria entrar de novo nessa roda maluca que chamam de amor. Mas aprendeu, aos poucos, que ainda era possível amar, não tão intensamente como (ainda?) faço e como ele um dia fez, também, mas de alguma maneira que não exigisse tanto, talvez mais madura para ele, mas sem fazer sentido para mim. E agora, analisando e montando esse quebra-cabeça que acaba por formar uma figura abstrata, com muitas pontas, luzes e sombras, como se fosse um dia cheio de cores, mas agora opaco, envelhecido com o tempo, as (des)ilusões e as marcas, percebo que enfim, houve amor - e muito. E eu - sem me gabar, muito menos me achar melhor que ninguém, mas talvez por ser mais sensível - considero linda, profunda, mágica qualquer forma de amor. Hoje, sinto a cosquinha que ele disse que um dia eu viria a sentir. E mais do que isso: entendo porque não podia ficar.