domingo, 26 de outubro de 2008

Caminhava apressada pela rua, como se seus passos rápidos, embora curtos, distanciassem-na cada vez mais do lugar do qual estava fugindo de seus pensamentos, suas vontade, sua loucura. Ah, loucura! Como podia, onde estava com a cabeça? Não conseguia parar de pensar nele nem por um minuto, desejando seu cheiro, seu gosto, seu tato. PÁRA! Não podia mais ficar relembrando assim. Parou num movimento brusco, num impulso que tentava demonstrar como seu corpo a regia mais do que sua mente. Observou com os olhos atentos - aqueles olhos amendoados e cheios de mistérios, da mesma cor dos dele - a rua era deserta e desconhecida (por ela, obviamente) e não conseguia lembrar o caminho que havia a conduzido até ali. O dia ensolarado e as árvores - qual era o nome mesmo desses vegetais tão bonitos? - altas, enfeitando a paisagem juntamente com o céu azul, dando um ar veronil para o frio de Agosto. Ah, Agosto! Mês do cachorro louco. Deve ser por isso que tudo está fora do lugar, de cabeça para baixo. Como se este mês fosse o culpado por todos os demônios que havia criado dentro de si em todos os outros meses. Envolvida por um súbito sentimento de calmaria, sentou-se no banco de uma praça que existia no centro da rua, acendeu um cigarro e foi então que lhe ocorreu: ora, do que fugia? Era forte, independente, bonita e alegre. Tal angustia nunca havia feito parte de si. Tudo bem, sempre fora de complicar - talvez por nunca ter se interessado pelo simples, pelo básico, por precisar da emoção, da montanha-russa, das confusões. ou, talvez, por complicar simplesmente sem nem saber o que estava fazendo -, porém nunca teve problemas para sair das situações em que, na maioria das vezes, ela própria se colocara. Porque agora temia tanto de enfrentar o que sentia? Precisava parar com essa bobice. É bobice, Clara!
Mas precisava de respostas - e não as encontrava. Será que nunca antes havia as procurado? Será que era tão medíocre, tão cega, tão morta que nunca havia se interessado em buscar algo além das trivialiades do cotidiano, ir atrás do que realmente importa? Nossa, minha vida sempre foi patética e pequena e só agora que eu noto?! Tudo conseqüência dele. Ele que - de tão longe e em tão pouco tempo - havia desperado nela vontades inexplicáveis, dúvidas angustiadas, respostas inacabadas. Porém, ele lhe deu vida, abriu-lhe os olhos, a casa e o coração. Logo ela que havia trancado seu coração, deixando-no contido, preso, trancafiado a sete chaves. Até ele. Meu Deus! Como conseguiu? E ainda: como ela permitiu? Será que foi tão descuidada que nem notou o quanto ele crescia dentro dela com, cada olhar, toque ou palavra minuciosamente escolhida? E ouvia feito uma aprendiz escuta seu mestre, com a máxima atenção, tentando gravar cada frase proferida.
E como a questionava, céus! Como se buscasse nela uma verdae que nem a própria sabia que existia. E, nas discussões, a moça sempre ficava sem argumentos. Ele estava certo: ela não sabia quem era, o que queria, nem o que sentia. Sabia, isso sim, que, se pudesse, abraçava o mundo inteiro com os braços. Mas isso já nao era suficiente e até parecia pouco perto do universo de possibilidades que ele, dia a dia, apresentava. Ele fazia sem nem perceber, sem saber de tudo que havia despertado dentro da jovem. Não entendia o repentino interesse da menina por ele. Era muito mais velho e seus interesses o objetivos divergiam drasticamente dos dela. Porém, ela o confortava. Ela era diferente e ele não sabia explicar. Era algo no sorriso tão sincero e com tanta leveza que o encantava, a ingenuidade e o brilho no olhar que a mostrava esfomeada pelo sentimento... qual sentimento? Enfim, deixava-se levar. Ela, encantada, abismada, sentia-se bela! Ele a tinha feito bela. Como se só ele tivesse a chave de onde toda a sua beleza voraz estivesse guardada, sendo reservada para o momento certo: aquele. Ele a abriu, mostrando todos os segredos insuperáveis que ela mesmo mantinha escondidos de si mesma.
Meu deus, precisava parar com isso, já estava sendo demais. Essa procura constante por ele, vontade - quase - obsessiva, não podia mais permitir isso. Mas não queria! Não queria que esse sentimento desaparecesse, que o prazer de todas as descobertas que fazia, quando estimulada por ele, sumissem. Ela queria a VIDA, aquela que ele lhe mostrou que existia. Queria jogar tudo para o alto, largar a faculdade, cursar jornalismo, não se conformar, ler todos os livros que pudesse, tornar-se escritora e buscar o que lhe faz bem - e só o que lhe faz bem. Colocar uma mochila nas costas e enfiar o pé na estrada, atrás das emoções, das pessoas, de conhecimento, de liberdade. Com ele. ISSO! Com ele!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

"É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir, porque se a experiência é sublime pode tornar-se igualmente perigosa. Aprenda a encantar e a desencantar. Observe, estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso: a mágica oposta ao "abre-te, Sésamo'. Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada melhor do que expô-lo ao sol".
Clarice Lispector

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Revolution is not easy with a civil war on the inside.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Eu sei, ninguém lê meu blog. Mas posto mesmo assim. Quem me mandou esse texto foi uma grande amiga minha, num período não muito distante desse que tou vivendo, mas que a angustia era maior. Chorei lendo. E, agora, chorei relendo. Pelas palavras lindíssimas do autor, pela amiga que tenho, por esse sentimento que cada vez mais tá invadindo o ser humano - e não devia. Bom, aqui vai. Para qualquer um que um dia entrar aqui e resolver SENTIR um pouco mais.


"Mayah,

Acho que tu tem gostado bastante do Caio F. e passei boa parte da minha vida viciada em tudo que ele escrevia. Do papelzinho laranja, quero ter toda a fé também. Em particular, gosto muito desse texto que ele publicou num jornal, não me engano eu. Fala como se referindo a São Paulo, mas fala de todas as cidades desse planeta. Pode parecer meio descontextualizado pra todo esse desamor que nós estamos sendo obrigadas a enfrentar, mas ele deixa tão claro que isso está acontecendo com todos que, bom, é um conforto. Esse texto derruba qualquer um.
Um beijo,

Aline"

Eis o texto:

Zero Grau de Libra


O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.

Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta.

Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.

Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.

Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.

Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Me tira daqui, me leva pra longe, me mostra que me quer pra ti, não pra sempre, mas enquanto durar. Não suporto mais esse aperto no peito, essa vontade de sumir, de cavar um buraco e me enterrar. De virar um míssil e explodir em qualquer outro lugar. Eu espero, eu aguardo. Mas quero tudo - e quero agora! E tu. Tu que de longe despertou isso em mim, que fez eu me sentir viva outra vez, descobrir todas as minhas verdades, meus anjos e meus demônios, logo tu, justo tu. Onde estarás agora? O que estarás fazendo? Tão longe dos meus olhos, mas tão perto do meu coração. E eu aqui fugindo, fingindo, rindo. Esperando uma resposta, uma verdade, uma atenção. Trancafiada nessa prisão.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Como eu pude? "Eu fiz - e não nego não", já dizia o poeta. Criei coragem e depois me escondi na covardia. E não faria diferente! Não há como, não posso fugir de mim. De ti era apenas questão de tempo, você sabia - e até esperava. Agora é tu que se esconde atrás dessa omissão, desse sumiço. Ora, me perdoe, mas sabes - mais do que ninguem - que não vou me remoer. Eu tiro forças de dentro de mim, busco outras distrações, controlo minhas dores. Aprendi, depois de muito tempo e suor, a me colocar acima disso. Pode até não ser verdade, posso ser mínima e ter toda culpa - e, veja bem, não digo que não a tenho, aliás, a tenho demais - mas acho que não mereço sofrer tudo isso. "Já tá mais do que na hora", me diz ele com raiva. Escreve na minha parede ainda, para eu olhar todos os dias e nunca esquecer. Pensas que esqueço? Pensas que não sei? Ah, sei, sei bem demais, é tu que não sabes o quanto. Mas o que queres mais? Esforço-me sempre, do jeito torto que eu sei fazer. E aguardo. Pois bem, isso que tanto desejas em mim em algum momento há de vir naturalmente, sem que eu tenha que forçar, me agustiar, me torturar por ser menos do que gostaria, por ser torta assim desse jeito. Ao menos sei que sou. Admito. Tem gente que nem isso faz! Você me conhece muito bem pra saber que não faço por mal. Você me conhece muito bem pra saber que não sou de plástico, insensível, fútil. Então, por favor, pare com isso. Deixe-me ser. Deixe-me viver, da maneira que eu conseguir, puder, quiser. E tenho feito isso muito bem.